quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Bule e a Chaleira


O Bule de louça, a Chaleira escura.
O Bule branquinho brilhava cintilante.
A Chaleira robusta, nada elegante;
era cinza e baixinha, lembrava um elefante.

O Bule espevitado, piscou para a Chaleira,
que de ar encabulado saltou da prateleira.
- Por quê da brincadeira? Perguntou indignada
- É que eu nunca avistara alguém tão atarracada!

- Que grossas tuas maneiras! Comenta a doce Chaleira.
- Perdão cara senhora, não pretendia ofendê-la,
Quis dizer que és única, atarracada, porém interessante.

E ela tensa, ofegante, mal acreditara no Bule galante.
Estava tão sozinha e quase no mesmo instante,
tivera companhia e ainda mais, exuberante!

- Permita-me um convite: dissera o Bule galante
Salto para aí, e como antes eu estive, bem junto de ti,
Direi as palavras certas e poderei me redimir.

- Oh não, não precisa vir, pois para ti é muito alto
da prateleira a mesa é muito mais que um salto.
O ferro é forte, deixa que pularei para o teu lado!

Mas o Bule orgulhoso quis parecer destemido
- Espere cara senhora que não é caso disso;
olhe e aguarde que me sairei bem nisso!

E o Bule pomposo saltou para o desastre.
E a Chaleira da má sorte além de solteira,
inda chora a água que dela evapora.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Chora

Chora Joana.
Nem todos os dias são iguais.
Nem todos são pra mostrar a mágoa que se sente
Nem sempre se pode desabafar o choro da gente
Sem que alguém diga indignado ou preocupado:
Não chores!
Então chora.
Chora livremente,
Chora angustiadamente.
Pra arreganhar a dor,
Abraçar-se da dor
E depois mandá-la embora.
Chora.
Chora Joana
Que o amor ainda tarda
Que as marcas inda são fundas
E o tempo as cura... mas demora!
Então chora:
Seu barracão no chão
O desamor de um João
Que a dor que é só nossa
Não se consola
Nem com palavras
Nem com boa intenção
A gente só sabe que a dor evapora
Depois e bem depois
Que a gente chora.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Na pele de um gato

Era quase meia noite, quase sexta-feira e era uma noite perfeita para um plano quase infalível. Ali estava, sobre a mesa, descuidadosamente descoberto: o saboroso, irresistível prato de peixes fritos da tia Henriqueta, a lembrança carinhosa de quem já estava com a memória fraca, para alguém que chegaria bem tarde naquela véspera de feriado.
Era a oportunidade para “tirar a barriga da miséria”, já que o dono, suficientemente irresponsável, não aparecera para dar o leitinho das 18h; sa-gra-do! Faltava pouco. Logo tia Henriqueta apagaria a luz e sairia em direção ao seu quarto com seus chinelos barulhentos.
Click! Hora do ataque! Agora só um pulo, um salto para o sucesso, que calaria os roncos do estômago... isso, se não fosse tão desastrado! As garras do gatinho tiveram de segurar a toalha da mesa, que deslizou fatidicamente, derrubou a fruteira e o que mais havia nela, e por pouco leva junto o idolatrado prato de peixes fritos. Esconder-se é o que fatia um bom ladrão e foi o que o nosso gatuno fez: correu para esconder-se atrás das vassouras. Contudo, não foi uma ideia genial.
- Ah gato danado! Sempre no mesmo lugar! Disse astutamente tia Henriqueta.
Bom, toda estratégia pode falhar, não pode? Mas para quê desanimar? Só porque foi posto para fora a vassouradas? Tudo tem solução. Um pulo pelo vitrô do banheiro e... pronto! Em casa! Tudo resolvido... excerto por... ei, aonde foi aquele prato de peixes? Oh não! No forno é covardia! Melhor seria se tivesse posto sobre uma montanha.
- Patas, pra quê te quero? Pensava o gato.
O cheirinho ainda está no ar... oh fome, oh azar!
- Gente desalmada! Abusam do pêlo macio de seus bichinhos de estimação e têm a coragem de saírem despreocupados assim? Reclamava o gato.
Trique! Opa! A porta!
- Ei! Boa noite famigerado dono! Ironizava o felino indignado.
-Pss, pss! E aí gatinho? – um afago exagerado.
- Tudo bem? Falava o dono empolgado.
- Quer mesmo que eu responda? Pensava o bichano enfurecido.
- Gato, tenho tanto programa pro final de semana!
- Não diga! Quer incluir uma ópera de roncos estomacais?
O dono abre o forno.
- Hum, que delícia! Peixes fritos!
- Eu também acho! Clemência, me dá um pedaço! Roçava-se nas pernas do dono miando alto.
- Olha gato, vou te dar um pedaço, mas tia Henriqueta não pode ver... tri-lililili.
- Opa! Espera aí gato!
- É... espero, mas ... não, não! Não põe de volta no forno!
Uma hora depois...
- Calma gato, quanto miau, vou te dar, espera!
- Não menino! Não dá isso pro gato! Disse tia Henriqueta preocupada.
- Tia é só um pedacinho!
- Já disse que não menino, ele engasga.
- Miaaaau...
... E atenção telespectadores: Gato enlouquecido solto na cidade. Fiquem alerta! O gato é perigoso e rouba peixes fritos. Não reajam, entreguem todos os peixes...
E a ouvir a notícia, mais calmo e satisfeito, próximo à loja de eletrodomésticos:
- Miau! Quanto exagero! Isso é porque eles nunca estiveram na pele de um gato!